A palavra “jesuíta” não foi inventada nem usada pelo fundador, Santo Inácio, nem pela Companhia de Jesus. Não se encontra nem nas Constituições, nem em qualquer documento oficial, desde a aprovação da Ordem por Paulo III em 1540, até 1975.
Nas Constitiuções fala-se de quantos vivem a obediência na Companhia... De qualquer um que na nossa Companhia... e outras expressões parecidas.
Os documentos da Santa Sé ,até hoje, referem-se aos sacerdotes ... os religiosos ... os regulares da Companhia de Jesus... os filhos de Santo Inácio.
Nos primeiros tempos da Companhia, o Padre António Araoz (1573) afirma de Espanha: “Alguns chamam-nos iniguistas (=de Inigo=Inácio) outros papistas, outros sacerdotes reformados”.
A mais antiga utilização conhecida da palavra “Jesuíta” ficou a dever-se a Ludolfo de Saxónia, o Cartuxo, que na sua “Vita Christi” que apareceu na Alemanha em 1350, 190 anos antes da aprovação da Companhia de Jesus, dizia: Assim como os que, pela graça baptismal, por Cristo somos chamados cristãos, assim na glória seremos chamados, pelo mesmo Jesus, jesuítas, isto é, salvos por Ele. Nesta primeira edição desta obra o termo “jesuíta” é paricularmente positivo e estimulante. Antes da invenção da imprensa a obra tinha tido grande difusão. A sua primeira impressão é de Estrasburgo em 1474. Seguiram-se 400 edições, muitas nos seculos XV e XVI, em diversas linguas europeias.
Santo Inácio leu na sua convalescença de Loyola, a tradução de Frei António de Montesinos, e conhecia esta palavra. Provavelmente em Paris, não lhe passou despercebido o sentido pejorativo que se lhe dava.
No “Confessionale” de Gottschalk Roremund, publicado em 1519 em Anvers, propõe-se inclusivamente esta pergunta: “Tens omitido ensinar a palavra de Deus por temor de que escarneçam de ti e te chamem fariseu, jesuíta, hipócrita, beguino?" O significado de Jesuíta como fariseu e hipocita é já muito desprezível, mas ainda é mais ofensivo o de “beguino”, vocábulo de origem flamenga, que tem o sentido de hereje e depravado.
Por outro lado no auge da devoção ao nome de Jesus na Itália dos séculos XIV e XV, o povo deu o nome de “gesuati” sem nenhum sentido pejorativo aos “Clérigos Apostólicos de S. Jerónimo” fundados em 1360 pelo Beato João Colombini, (1303/1367) porque iniciavam e concluíam as suas pregaçãos com a frase “Louvado seja Jesus Cristo”.
S. Bernardino de Siena em 1427 foi acusado de heresia pela forma como propagava a devoção ao nome de Jesus. O humanista Poggio Bracciolini denunciou-o pelo seu “jesuítismo”, mas o papa Martinho V autorizou-o e exortou-o a continuar a pregação desta devoção, hasteando como antes o estandarte com o grande monograma IHS.
Aos companheiros de Jesus começou a chamar-se-lhes “Jesuítas” na Áustria e na Alemanha.
Em Dezembro de 1544, S. Pedro Canísio em carta de Colónia ao Beato Pedro Fabro, um dos primeiros companheiros de Santo Inácio, conta-lhe: “...quanto a nós, posso dizer-te que nos chamam jesuítas.”
No ano seguinte retoma o tema: “Nós continuamos a levar para a frente os trabalhos do nosso Instituto, apesar da inveja e injúrias de alguns que até nos chamam “jesuítas”.
Deve datar deste periodo o famoso trocadilho jocoso em latim:
“Si itis cum Iesuitis, non cum Iesu itis”
(Se seguires os Jesuítas, não segues Jesus).
A evolução semântica da palavra “jesuíta”, habitualmente é um reflexo do comportamento humano; mas essa evolução depois da fundação da Companhia parece motivada por:
1)- Usar o termo “jesuíta” só e exclusivamente para designar os membros da Companhia de Jesus.
2)- Atribuir aos jesuítas todo o tipo de maquinações.
3)- converte o termo jesuíta em sinónimo de astuto e hipócrita, e jesuítico em tortuoso e assim tornou-se num termo difamante.
Protagonistas desta tendência foram sobretudo, a Alemanha protestante, a França galicana, a Inglaterra anglicana e especialmente o Iluminismo.
Daí se estendeu o antijesuitismo a toda a Europa e conseguiu a supressão da Companhia de Jesus em 1773. Com a supressão atenuou-se um pouco o anti-jesuitismo, mas apesar disso os dicionários continuaram a repetir:
Jesuíta- membro da Companhia de Jesus e pessoa astuta, intrigante e hipócrita.
Enquanto se continuava a dar um sentido pejorativo à palavra “jesuíta”, os católicos achavam que pela sua brevidade e significado etimológico, era muito apta para substituir as extensas expressões companheiro de Jesus ou membro da Companhia de Jesus. E nesse sentido exclusivo de membro da Companhia de Jesus se estendeu rapidamente.
Esse significado parece ter ficado sancionado pelo concílio de Trento , que não o usa nos seus decretos, mas sim nas actas (de caracter menos solene). Ao Padre Diogo Lainez (2º geral) chama-lhe Prepósito Geral dos Jesuítas . Um ajudante do Mestre de Cerimónias do Concílio nomeia no seu diário da sessão de 21 de Agosto de 1562 o Generali Iesuitarum e a Ordinem Iesuitarum.
A popularidade que o vocábulo “jesuíta” adquiriu no mundo católico não foi nem promovida, nem desprezada pela Companhia de Jesus, que se limitou a reconhecer que , para o povo católico, não era senão um sinónimo de Companheiro de Jesus, e como tal merecedora de respeito.
Só veio a ser usada oficialmente pela própria Companhia de Jesus, 435 anos depois da sua fundação, na Congregação Geral XXXII (1975), em um dos seus decretos (2,1):
“O que significa ser jesuíta? Reconhecer-se pecador e, apesar disso, chamado a ser companheiro de Jesus, como o foi Inácio... "
Em 1983, a Congregação Geral XXXIV usa-o de novo:
“ A Congregação Geral urge a que todos os jesuítas se esforcem por conseguir uma integração pessoal e comunitária cada vez maior, da sua vida espiritual com o seu apostolado...”
Em Portugal, especialmente em Coimbra, chamaram-lhes Apóstolos, por serem em numero de 12 os que fundaram em 1542 o Colégio de Jesus, em Coimbra. Nos seculos XVII e XVIII era frequente vestir os meninos da nobreza com a “roupeta de Apostolinho”.
O NOME JESUÍTA, entre o insulto e o louvor

